Pra ler: Liberdade Crônica!

sexta-feira, outubro 31, 2014

Poucos cronistas conseguem me arrancar um sorriso ou uma gargalhada ao ler suas crônicas, como a Martha Medeiros! Podem perguntar para quem convive comigo: sempre estou lendo ou mostrando uma crônica da Martha para meus amigos e familiares. Eles, assim como eu, ficam fascinados pelas crônicas da autora.


Estou falando da Martha, pois a resenha de hoje é sobre uma nova coletânea de crônicas da autora lançada pela editora L&PM. A coletânea conta com três livros, intitulados: Felicidade, Liberdade e Paixão. E vim falar para vocês do livro Liberdade.

Os três livros reúnem as melhores crônicas dos 20 anos de carreira da autora, contando com crônicas de vários livros da Martha, como: Feliz por Nada, Montanha Russa, Doidas e Santas, A Graça da Coisa (resenha aqui), Um Lugar na Janela, Coisas da Vida, Trem-Bala, entre outros. 


Com a característica escrita descontraída e inteligente da Martha, o livro apresenta 101 (excelentes) crônicas sobre a mulher contemporânea; livros, filmes, música, etc; fé e equilíbrio; no divã sociedade. As crônicas reunidas nesse livro são incríveis e, como sempre, me fizeram sentir uma empatia enorme pela Martha. Como já disse aqui no blog, o meu pensamento bate demais com o dela. Talvez seja por isso que ela é minha autora predileta.

Abaixo duas das minhas crônicas favoritas do livro:

Janela dos Outros

Gosto dos livros de ficção do psiquiatra Irvin Yalom (Quando Nietzsche Chorou, A Cura de Schopenhauer) e por isso acabei comprando também seu Os Desafios da Terapia, em que ele discute alguns relacionamentos padrões entre terapeuta e paciente, dando exemplos reais. Eu devo ter sido psicanalista em outra encarnação, tanto o assunto me fascina.

Ainda no início do livro, ele conta a história de uma paciente que tinha um relacionamento difícil com o pai. Quase nunca conversavam, mas surgiu a oportunidade de viajarem juntos de carro e ela imaginou que seria um bom momento para se aproximarem. Durante o trajeto, o pai, que estava na direção, comentou sobre a sujeira e degradação de um córrego que acompanhava a estrada. A garota olhou para o córrego a seu lado e viu águas límpidas, um cenário de Walt Disney. E teve a certeza de que ela e o pai realmente não tinham a mesma visão da vida. Seguiram a viagem sem trocar mais palavra.

Muitos anos depois, essa mulher fez a mesma viagem, pela mesma estrada, dessa vez com uma amiga. Estando agora ao volante, ela surpreendeu-se: do lado esquerdo, o córrego era realmente feio e poluído, como seu pai havia descrito, ao contrário do belo córrego que ficava do lado direito da pista. E uma tristeza profunda se abateu sobre ela por não ter levado em consideração o então comentário de seu pai, que a essa altura já havia falecido.

Parece uma parábola, mas acontece todo dia: a gente só tem olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja vendo algo diferente.

A mesma estrada, para uns, é infinita, e para outros, curta. Para uns, o pedágio sai caro; para outros, não pesa no bolso. Boa parte dos brasileiros acredita que o país está melhorando, enquanto que a outra perdeu totalmente a esperança. Alguns celebram a tecnologia como um fator evolutivo da sociedade, outros lamentam que as relações humanas estejam tão frias. Uns enxergam nossa cultura estagnada, outros aplaudem a crescente diversidade. Cada um gruda o nariz na sua janela, na sua própria paisagem.

Eu costumo dar uma espiada no ângulo de visão do vizinho. Me deixa menos enclausurada nos meus próprios pontos de vista, mas, em contrapartida, me tira a certeza de tudo. Dependendo de onde se esteja posicionado, a razão pode estar do nosso lado, mas a perderemos assim que trocarmos de lugar. Só possuindo uma visão de 360 graus para nos declararmos sábios. E a sabedoria recomenda que falemos menos, que batamos menos o martelo e que sejamos menos enfáticos, pois todos estão certos e todos estão errados em algum aspecto da análise. É o triunfo da dúvida.


Avec Elegance

Hoje a maioria das pessoas que têm acesso à informação sabe que é peruíce usar uma blusa de paetês às duas da tarde e que é deselegante comparecer a um casamento sem gravata. Costanza Pascolato, Gloria Kalil e Claudia Matarazzo são alguns dos jornalistas especializados em ajudar os outros a não cometerem gafes na hora de se vestir ou de se portar à mesa. Mas existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento.


É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza. É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto. É uma elegância desobrigada.
É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam. Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam longe da fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.


É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz ao se dirigir à empregadas domésticas, garçons ou frentistas. Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros. É possível detectá-la em pessoas pontuais.
Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem dá um presente sem data de aniversário por perto, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.
Oferecer flores é sempre elegante. É elegante não ficar espaçoso demais. É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao de outro. É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais. É elegante retribuir carinho e solidariedade.


Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto. Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante. Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural através da observação, mas tentar imitá-la é improdutivo.
A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe de status social: é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu, que acha que “com amigo não tem que ter estas frescuras”. Se os amigos não merecem uma certa cordialidade, os inimigos é que não irão um dia desfrutá-la. Educação enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura.


´´A liberdade é politicamente incorreta (...) não se veste bem, não tem bons modos, não liga para o que os outros vão dizer. Ser absolutamente live tem um ônus que poucos se atrevem a pagar. (...) Dizem que todos artista é louco. Se loucura e liberdade, forem parentes, então concordo. Pintar, compor, escrever, dançar, tudo isso requer um mergulho num terreno muito perigoso, o da nossa consciência.``

                                             (Trecho de ´´Picasso e a arte dos desiguais``)

Espero que tenha gostado da indicação! Já leram esse ou algum outro livro da Martha? Me contem!!! Bjos

You Might Also Like

4 comentários

  1. Nunca li nenhum livro da Martha, mas tenho interesse. Amei a capa, o post e as fotos! Beijos :)
    minhasecretapoesia.blogspot.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. São ótimos! Vale a pena!
      Fico feliz que tenha gostado (:

      Bjão

      Excluir
  2. Parece bom este, deu vontade de ler!
    beijinhos, Rê
    http://renatatruchinski.com

    ResponderExcluir

Subscribe